segunda-feira, 30 de junho de 2008

Entrevista com Emmanuel Carneiro Leão

Doutor pela Universidade de Roma, Itália, e licenciado em Filosofia pela Universidade de Friburgo, Alemanha, onde foi aluno de Heidegger, Carneiro Leão regressou ao Brasil em meados da década de 1960. Desde então, dedica-se ao magistério na condição de professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qual leciona até hoje. É um dos principais divulgadores do pensamento heideggeriano no Brasil, tendo traduzido para o português alguns livros do filósofo alemão. É autor de, entre outros, do livro Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1991. Confira o que o professor pensa sobre o assunto.

IHU On-Line – Quais são suas principais lembranças como aluno de Heidegger?
Emmanuel Carneiro Leão – Minha primeira lembrança é que a atividade de ensino e acadêmica de Heidegger para com seus alunos, com os estudantes, aqueles que escutavam suas palestras, era de um cuidado todo especial. Era um professor com grande atenção para as dificuldades e os problemas dos seus alunos. A segunda grande lembrança e impressão que tenho é que a importância do ensino de Heidegger era promover a capacidade de pensamento dos alunos. Ele não queria ensinar respostas, problemas, perguntas, doutrinas, mas desenvolvia a capacidade própria de pensar de cada aluno, porque a posição que ele passava era que todo o homem tem uma contribuição a dar à vida do pensamento, de maneiras diferentes, com graus diferentes, com qualidade diferente, deixando transparecer que essa contribuição é fundamental para o desenvolvimento da capacidade de pensar de todos.

IHU On-Line – Qual é a grande contribuição da filosofia de Heidegger?
Emmanuel Carneiro Leão – A principal contribuição da obra de Heidegger e o grande mérito é promover esse aprofundamento do pensamento. Pensar não é ficar no nível das relações já dadas, encontradas, mas aprofundar, a partir do que é dado, até a proveniência, a origem, a fonte de onde elas são oriundas.

IHU On-Line – Quais são as principais diferenças entre a fenomenologia de Heidegger e a de Husserl?
Emmanuel Carneiro Leão – Podemos dizer que a fenomenologia de Husserl[1] se constrói por meio da intencionalidade da consciência. Isso significa que há uma diferença entre fenômeno e fenomenologia e o que faz a intermediação entre essa diferença é a intencionalidade dessa consciência. Sem consciência, não há fenomenologia, para Husserl. Para Heidegger, já não é dessa forma. Ele acredita que a fenomenologia é o próprio fenômeno. É por causa da fenomenologia do fenômeno que há consciência e intencionalidade. O Dasein, a presença, o modo de ser do homem, não é intermediário entre o fenômeno e a fenomenologia, mas é o lugar onde o fenômeno mostra que ele já é a fenomenologia.

IHU On-Line – Como Heidegger dialoga com a tradição filosófica? Quais são suas principais influências e quais são os rompimentos que propõe?
Emmanuel Carneiro Leão – Heidegger tem uma formação religiosa, cristã, escolástica e, pela escolástica, ele encontra a filosofia grega. Como a filosofia grega, mediada pela escolástica é a filosofia clássica, o que significa Platão[2] e Aristóteles[3], Heidegger procura suas fontes, de onde provêm esses pensadores. Por isso, a principal influência para o pensamento pré-socrático. Para se compreender o pensamento clássico é indispensável ter uma experiência do que constitui a contribuição dos pré-socráticos. Com essa recuperação dos pré-socráticos, que é uma tradição alemã desde Nietzsche, sobretudo, mas também de Hegel[4], embora este esteja mais ao lado de Aristóteles, o que leva a um movimento não de retorno e recuperação das fontes da cultura, da história, do pensamento, da ciência, da arte. Isso é a grande influência que sofre o pensamento de Heidegger, um pensamento cuja originalidade é a sua origem.

IHU On-Line – Em quais aspectos Heidegger influencia o desconstrutivismo e por quê?
Emmanuel Carneiro Leão – Sua influência se dá porque, para se chegar a essa fonte de originariedade do pensamento pré-socrático, há uma necessidade de desvincular-se, desvencilhar-se das respostas já dadas, dos padrões de pensamento e conhecimento já estabelecidos até aqui. Então é preciso se desconstruir o que se constitui a tradição do pensamento, do conhecimento e da arte para poder abrir caminho e libertar a experiência para o originário.

IHU On-Line – De que maneira podemos compreender a afirmação do filósofo de que "chegamos muito tarde para os deuses e muito cedo para o ser"?
Emmanuel Carneiro Leão – A nossa tradição entende a realidade como sendo o resultado não de uma atividade de sentido ou de criação, de um princípio absoluto. Com a modernidade não temos mais essa consciência e essa necessidade, por isso, somos modernos à medida que perdemos essa necessidade. Isso significa que chegamos tarde para os deuses, no entanto, com a modernidade, para conseguir-se isso houve uma mudança nos padrões de relacionamento do homem europeu ocidental, que é a respeito de quem estamos falando. Essa mudança aconteceu porque o homem de agora não quer mais receber, como o homem religioso de antes, os parâmetros e os padrões e princípios de como ele tem que viver. Ele quer, ele mesmo, assumir a construção de sua cultura, sua sociedade, sua vida, seu pensamento, seu conhecimento. O homem moderno é aquele que quer transformar a realidade e não apenas aceitá-la como ela é. A perda dessa perspectiva de aceitação leva consigo também uma experiência de criação, o que significa que, para sermos criadores, não temos que nos deixar sufocar pela forma de conhecimento transformadora da realidade. Por isso, chegamos cedo demais para essa experiência de doação criadora do real.

Nenhum comentário:

Postar um comentário