quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Genesis (da propaganda)

No princípio criou Deus o Paraíso. E, para estragar tudo, o Capeta criou o consumo, quando a Serpente deu a maçã a Eva e assim gerou a primeira consumidora: Eva. Que, não satisfeita em comprar o Fruto Proibido, vendeu-o a Adão.Expulsos do Paraíso, o Primeiro Homem e a Primeira Mulher habitaram a Terra e seus filhos de tal forma pecaram que Deus castigou-os com o Dilúvio. Passados os quarenta dias e quarenta noites das águas, Deus criou o primeiro luminoso publicitário da história: o Arco-Iris. E a primeira mala-direta: a pomba que trouxe a Noé o ramo de oliveira.


Havia sido dada a partida. Na continuação, a Igreja criou o primeiro logotipo, o mais perfeito da História: a Cruz. E colocou esta marca na ponta do primeiro display do mundo: o prédio da Igreja, o mais alto, o que mais se destacava na paisagem de todas as cidades do mundo civilizado.. Para mostrar a todos os viajantes e passantes: é ali, naquele lugar, que mora o meu Deus. Dentro da Igreja, uma vasta campanha iconográfica dos anjos e santos do Paraíso prenunciava aos crentes as delícias da vida eterna, com todos os benefícios da salvação. Nascia assim o marketing de incentivos.

Imediatamente abaixo do logotipo, a Igreja criou a primeira mídia do mundo. Aquela que anunciava os nascimentos, as tentativas de invasão dos inimigos, os casamentos, os incêndios, aquela que conclamava o povo à oração: o sino. E durante os ofícios religiosos, a Igreja já empregava um instrumento condicionador do consumo de seus serviços: a música barroca, como primeiro gênero de trilha sonora.

Dentro do Templo, sábia, a Igreja criou o primeiro Instituto de Pesquisas: o confessionário. Ali se conheciam as intrigas palacianas, os segredos políticos e econômicos, os cambalachos financeiros, permitindo aos administradores da Igreja controlar a vida secular. De tal modo o segredo era importante para a inteligência da Igreja que reza a tradição que o Geral da Ordem da Sociedade de Jesus, os jesuítas, também conhecido na Idade Média como o “Papa Negro”, ao expirar, somente passava seu cargo para aquele membro da ordem que possuísse um segredo “capaz de fazer cair uma cabeça coroada”, segredo esse que lhe era sussurado no ouvido moribundo.

Tão pronto surgiram as corporações, a sapiência da Igreja, que criou a palavra propaganda através do estabelecimento da Congregatio Propaganda Fidei, ou “congregação para a propagação da fé” passou a ser copiada na difusão dos benefícios dos produtos produzidos por suas artes e ofícios. Surgiam assim as “enseignes” ou placas de lojas, os pregões públicos, os folhetins, os cartazes anunciando a chegada de navios e suas cobiçadas cargas, os anúncios de vendas de escravos e até mesmo as delícias de uma profissão mais antiga que a propaganda: a prostituição.

Nascida no seio da Igreja, a propaganda passou a fazer letra morta dos pios princípios que a geraram. E em todos os séculos que se encadearam até o surgimento de nossos dias, a propaganda passou a se orientar por uma rosa dos ventos cujos pontos cardeais passaram a ser sexo, amor, dinheiro e fama.

Nos quase duzentos anos de existência da publicidade, tal como hoje a conhecemos, nunca logrou ela fugir, jamais conseguiu ela escapar do contexto onde reinam, absolutos, esses quatro cavaleiros apocalípticos.

Muitos se rebelam contra essa verdade, querendo dar à propaganda uma cândida roupa nova de vestal que ela se nega honestamente a trajar. Porta-voz da sociedade de consumo, nenhum outro papel lhe resta senão o de exercer seu mister, tal como faziam as honradas hetairas de outrora. A preços cada vez mais módicos, é claro….

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