domingo, 25 de maio de 2008

Deleuze-se

Não basta ter um mundo para ser um animal. O que me fascina completamente são as questões de território e acho que Félix e eu criamos um conceito que se pode dizer que é filosófico, com a idéia de território. Os animais de território, há animais sem território, mas os animais de território são prodigiosos, porque constituir um território, para mim, é quase o nascimento da arte. Quando vemos como um animal marca seu território, todo mundo sabe, todo mundo invoca sempre... as histórias de glândulas anais, de urina, com as quais eles marcam as fronteiras de seu território. O que intervém na marcação é, também, uma série de posturas, por exemplo, se abaixar, se levantar. Uma série de cores, os macacos, por exemplo, as cores das nádegas dos macacos, que eles manifestam na fronteira do território... Cor, canto, postura, são as três determinações da arte, quero dizer, a cor, as linhas, as posturas animais são, às vezes, verdadeiras linhas. Cor, linha, canto. É a arte em estado puro. E, então, eu me digo, quando eles saem de seu território ou quando voltam para ele, seu comportamento... O território é o domínio do ter. É curioso que seja no ter, isto é, minhas propriedades, minhas propriedades à maneira de Beckett ou de Michaux. O território são as propriedades do animal, e sair do território é se aventurar. Há bichos que reconhecem seu cônjuge, o reconhecem no território, mas não fora dele. É uma maravilha. Não sei mais que pássaro, tem de acreditar em mim. E então, com Félix, saio do animal, coloco, de imediato, um problema filosófico, porque... misturamos um pouco de tudo no abecedário. Digo para mim, criticam os filósofos por criarem palavras bárbaras, mas eu, ponha-se no meu lugar, por determinadas razões, faço questão de refletir sobre essa noção de território. E o território só vale em relação a um movimento através do qual se sai dele. É preciso reunir isso. Preciso de uma palavra, aparentemente bárbara. Então, Félix e eu construímos um conceito de que gosto muito, o de desterritorialização. Sobre isso nos dizem: é uma palavra dura, e o que quer dizer, qual a necessidade disso? Aqui, um conceito filosófico só pode ser designado por uma palavra que ainda não existe. Mesmo se se descobre, depois, um equivalente em outras línguas. Por exemplo, depois percebi que em Melville, sempre aparecia a palavra: outlandish, e outlandish, pronuncio mal, você corrige, outlandish é, exatamente, o desterritorializado. Palavra por palavra. Penso que, para a filosofia, antes de voltar aos animais, para a filosofia é surpreendente. Precisamos, às vezes, inventar uma palavra bárbara para dar conta de uma noção com pretensão nova. A noção com pretensão nova é que não há território sem um vetor de saída do território e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte. Tudo isso acontece nos animais. É isso que me fascina, todo o domínio dos signos. Os animais emitem signos, não param de emitir signos, produzem signos no duplo sentido: reagem a signos, por exemplo, uma aranha: tudo o que toca sua tela, ela reage a qualquer coisa, ela reage a signos. E eles produzem signos, por exemplo, os famosos signos... Isso é um signo de lobo? É um lobo ou outra coisa? Admiro muito quem sabe reconhecer, como os verdadeiros caçadores, não os de sociedades de caça, mas os que sabem reconhecer o animal que passou por ali, aí eles são animais, têm, com o animal, uma relação animal. É isso ter uma relação animal com o animal. É formidável.

de uma entrevista sobre o abecedário de Gilles Deleuze, falando sobre o A, de animal. Em O Estrangeiro.

Mais Gilles Deleuze em
http://www.webdeleuze.com/
http://www.dossie_deleuze.blogger.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gilles_Deleuze

Nenhum comentário:

Postar um comentário