sexta-feira, 3 de abril de 2009

Tropicalismo para Iniciantes


Um filme, chamado “Bonnie and Clyde” está fazendo agora um tremen­do sucesso na Europa. E com uma força tão grande que sua influência es­tendeu-se à moda, à música, à decoração, às comidas e aos menores hábitos das pessoas. São os anos trinta que estão sendo revividos. Bem por den­tro dessa história e à procura de um movimento pop autenticamente brasi­leiro, um grupo de intelectuais reunidos no Rio - cineastas, jornalistas, compositores, poetas e artistas plásticos - resolveu lançar o Tropicalismo.
O que é?

Assumir completamente tudo o que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido. Eis o que é.

Porta-voz do tropicalismo, por enquanto. É o jornalista e compositor Nelson Motta, que divulgou essa semana, num vespertino carioca, o pri­meiro manifesto do movimento. E fazem parte dele, entre outros: Caetano Veloso, Rogério Duarte, Gilberto Gil, Nara Leão, Glauber Rocha, Carlos Diégues, Gustavo Dhal, Antônio Dias, Chico Buarque, Valter Lima Jr. e José Carlos Capinam. Muitas adesões estão sendo esperadas de São Paulo e é possível que Rogério Duprat, Júlio Medaglia e muita gente mais (os irmãos Haroldo e Augusto, Renato Borghi etc.) tenham suas inscrições efe­tuadas imediatamente. O papa do Tropicalismo - e não poderia faltar um - pode ser José Celso Martinez Correa. Um deus do movimento: Nelson Rodrigues. Uma musa: Vicente Celestino. Outra musa: Gilda de Abreu.

O Tropicalismo, ou Cruzada Tropicalista, pode ser lançado qualquer dia desses numa grande festa no Copacabana Palace. A piscina estará repleta de vitórias-régias e a pérgula enfeitada com palmeiras de todos os tipos. Uma nova moda será lançada: para homens, ternos de linho acetinado branco, com golas bem largas e gravatas de rayon vermelho; as mulheres devem copiar antigos figurinos de Luiza Barreto Leite ou Iracema de Alen­car. Em casa, nada de decorações moderninhas, rústicas ou coloniais. A pedida são móveis estofados em dourado e bordô, reproduções de Osvaldo Teixeira e Pedro Américo, bibelôs de louça e camurça, retratos de Vicente Celestino, Emilinha Borba e Cézar de Alencar. Nada de Beatles, nada de Rolling Stones. E muitos pufes, centenas de almofadas.

O Dia das Mães, o Natal e o reveillon do jaguar serão as grandes festas do Tropicalismo, que exige eventos e efemérides. 25 de agosto é data impor­tantíssima. E ninguém perderá uma parada de 7 de Setembro. Desfile de escolas de samba (em cadeiras numeradas) e o baile do Municipal são obrigatórios. Revistas de Gomes Leal, shows de Carlos Machado e filmes de Mazzaropi serão assuntos discutidíssimos. Cinerama também. Um ídolo: Wanderley Cardoso. Uma cantora: Marlene. Um intelectual: Alcino Diniz. Um poeta:
J.G. de Araújo Jorge. Um programa de TV: Um Instante Maestro. Uma canção: “Coração Materno”. Um gênio: Chacrinha.

E daí para a frente. Aliás, os líderes do Tropicalismo anunciam o movi­mento como super-pra-frente:

- É brasileiro, mas é muito pop.

O que, no fundo, é uma brincadeira total. A moda não deve pegar (nem parece estar sendo lançada para isso), os ídolos continuarão os mes­mos - Beatles, Marilyn, Che, Sinatra. E o verdadeiro, grande Tropicalismo estará demonstrado. Isso, o que se pretende e o que se pergunta: como adorar Godard e Pierrot Le Fou e não aceitar “Superbacana”? Como achar Felinni genial e não gostar de Zé do Caixão? Porque o Mariaaschi Maeschi é mais místico do que Arigó?

O Tropicalismo pode responder: porque somos um país assim mesmo. Porque detestamos o Tropicalismo e nos envergonhamos dele, do nosso subdesenvolvimento, de nossa mais autêntica e imperdoável cafonice. Com seriedade.

por Torquato

http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/index.php

Nenhum comentário:

Postar um comentário