sexta-feira, 13 de março de 2009

Ritalin


Folha - Por que você critica o uso de remédios no tratamento de crianças tidas como hiperativas ou disléxicas?
Luca Rischbieter - Há uma enxurrada de diagnósticos precipitados que vêm sendo produzidos por nossos psicopedagogos mesmo antes da invenção recente do TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade) e da Ritalina. Em um mundo cada vez mais complexo, cheio de atrativos e com regras pouco homogêneas, é previsível que aumente o número de crianças que não se interessam pela escola e que "fazem bagunça", "atrapalham", "não aprendem". É aqui que encontramos a maior parte dos candidatos a diagnósticos precipitados, sejam eles de dislexia, disgrafia ou hiperatividade.

Folha - Por que esses diagnósticos seriam precipitados?
Rischbieter - Porque eles transformam algumas dificuldades comportamentais que podem ser facilmente contornáveis, na maioria dos casos, em problemas inerentes à criança, em doenças ou síndromes. Isso depois de expor a criança "suspeita" a uma verdadeira via-crúcis de exames e testes, visitas a psicopedagogos, fonoaudiólogos, neurologistas, psiquiatras...

Folha - Que problemas isso pode acarretar para a criança?
Rischbieter - O principal efeito que isso pode causar é abalar a auto-confiança de uma criança que já está meio assustada. Se ela escreve um pouco errado quando seus colegas já não o fazem, é provável que seja taxada de disléxica ou disgráfica. Se é muito agitada, pode ser avaliada como hiperativa. Ela recebe um rótulo no qual a escola acredita, os pais acreditam e, pior, ela própria pode acabar acreditando. O risco maior é que a criança passe a se comportar como se fosse de fato disléxica, agravando dificuldades que ela poderia ter superado facilmente. Há psicopedagogos que agem como verdadeiros "inimigos da infância", pois sabotam a autoconfiança das crianças quando deveriam ajudar a construí-la e a reforçá-la.

Folha - Essa reação pode afetar também os adultos tidos como disléxicos ou hiperativos?
Rischbieter - Sim. Uma amiga minha, vamos chamá-la de Maria, quando tinha uns 28 anos, convenceu-se de que era muito burra, postura que "diagnostico" como sendo de uma pessoa bem inteligente. Gastou o que seriam hoje uns R$ 1.400 para fazer testes cognitivos. A uma certa altura, a psicopedagoga pegou um cronômetro e passou várias continhas para a Maria resolver. Minha amiga, nervosa, se atrapalhou. O veredicto foi: "Discalculia!". Parece piada, mas eu li o relatório da psicopedagoga. Nas conclusões, tinha uma frase inesquecível: Maria "tem os neurônios preguiçosos". Minhas gargalhadas ajudaram a refazer a autoconfiança da minha amiga, mas essa profissional, que escreveu uma barbaridade dessas, continua por aí, tirando dinheiro das famílias e etiquetando adultos e crianças. Infelizmente, ela não é a única. De uns anos para cá, essas pessoas enriqueceram seu potencial de asneiras com a supercientífica "hiperatividade".

Folha - Drogas como a Ritalina são inofensivas?
Rischbieter - Se você digitar a palavra Ritalina no Google ou se pesquisar o termo em inglês (Ritalin), vai encontrar, por exemplo, no dia 1º/7, no "The New York Times": "Ritalina pode aumentar risco de câncer". Há uma saraivada de acusações contra a Ritalina e drogas do mesmo tipo -especialmente uma que tem o fantástico nome de Concerta-, associando-as a episódios de violência, surtos psicóticos, suicídio etc. Ou seja, no mínimo, há muita controvérsia e precisamos de mais pesquisas.

Folha - Como esses remédios funcionam?
Rischbieter - Eles são uma espécie de anfetamina, droga que fez sucesso entre os jovens transgressores da década de 70 e que foi muito indicada para regime de "madame" nos anos 80, porque a pessoa ficava tão ligada que não comia. Agem aumentando a atividade cerebral frontal de um neurotransmissor estimulante chamado dopamina. Ainda é um mistério explicar como a Ritalina é capaz de acalmar crianças inquietas, pois ela deveria excitá-las muito mais. Os neurologistas chamam isso de "efeito paradoxal". Tecnicamente falando, ela é uma verdadeira cocaína light, pois a cocaína também age aumentando a ação da dopamina.

Folha - O que você acha dos pais que apontam melhorias com o uso desses medicamentos em seus filhos?
Rischbieter - Há casos em que, de fato, a medicação "bate bem" e há melhora. Muitas vezes, a criança fica como que paralisada, passa a ser mais quieta e comportada e até melhora seu desempenho escolar, mas ficar feliz com isso me parece algo pavoroso. E, é inegável, muitas só pioram, ficam mais agressivas, algumas babam de verdade.

Folha - Professores alegam trabalhar com alunos desatentos ou muito indisciplinados. Não há um problema real a ser combatido?
Rischbieter - É claro que sim. Não estou negando a existência de cada vez mais crianças com problemas escolares. Elas demonstram cada vez menos interesse pela escola porque, em casa e na rua, há lan house, TV, computador. Além disso, o público que vai à escola não é mais homogêneo como era, há uma explosão de modelos de família, convívio com referenciais diferentes, falta de regras em casa.

Folha - O que pode ser feito para melhorar a vida de crianças que têm dificuldades de aprendizado?
Rischbieter - Em muitos casos, o simples suplemento de atenção que a criança recebe dos pais ou um reforço do enquadramento disciplinar já resolve o problema. Há estratégias que bons psicopedagogos conhecem e que produzem resultados, como buscar caminhos alternativos para ensinar, estabelecer programas de tarefas em parceria com a família e fazer entrevistas psicológicas para tentar entender o fundo emocional que existe por trás de muitas dessas dificuldades. De qualquer forma, há uma grande quantidade de procedimentos que podem ser explorados por pais e educadores antes de decidir dar drogas a uma criança.

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Metilfenidato

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