quarta-feira, 26 de março de 2008

Vozes na Ecologia III

Paul Watson, o afundador de baleeiros

Entrevista da Trip de Dez/07

Quando tinha 9 anos de idade, um garoto canadense da vilinha de pescadores de New Brunswick brincava de dar nome às duas lagostas de estimação – Bug Eye (Olho de Inseto) e Flouderface (Cara de Farinha) – e ao seu melhor amigo, Bucky, um castor da floresta com quem ele adorava nadar durante o verão. Um dia, ao chegar à mata, ele encontrou Bucky morto por caçadores, a pata presa em uma armadilha. Encasquetou que poderia destruir as armadilhas que encontrasse pela frente e que resgataria todos os bichos que visse presos. O menino cresceu, estudou comunicações e foi trabalhar na Guarda Costeira Canadense. Aos 18 anos, se engajou no comitê Não Faça Onda, que lutava contra os testes nucleares nos oceanos. Em 1972, com apenas 21 anos, transformou o comitê no mais conhecido grupo ambientalista do mundo: o Greenpeace.

Hoje, aos 57, Paul Watson continua desarmando armadilhas e ajudando os amigos do mar. Expulso da ONG que ajudou a criar, fundou em 1977 a própria organização, a Sea Shepherd. É considerado uma lenda do ambientalismo, o nome supremo na proteção dos oceanos, “o último dos homens”, conforme declarou o ator Sean Penn. A atriz e amiga das focas Brigitte Bardot é sua fã. Entre os mais de 40 mil colaboradores e militantes voluntários da organização estão Richard Dean Anderson, o MacGyver, e os Red Hot Chilli Peppers.

Justiceiro
Mas há também uma legião de desafetos. Pessoas que não concordam com a postura enérgica e agressiva do capitão. Gente que prefere lutar em terra firme, fazer passeatas, colher doações e mudar a legislação – em vez de se enfiar em um navio e se mandar para a Antártida, onde milhares de baleias são assassinadas por ano, disposta a afundar o navio inimigo, como os apaixonados militantes da Sea Shepherd. O Greenpeace é o mais célebre deles. Dentro da ONG, seu nome é tabu. “Não falamos sobre ele. Paul Watson foi ‘saído’ porque adotou atitudes não pacifistas, das quais discordamos”, afirma Glades Eboli, diretora de comunicação da ONG. “Há boatos sobre um baleeiro que pegou fogo! Extra-oficialmente, comentam que foi coisa da Sea Shepherd. E tivemos que ir lá ajudar a salvar vidas. Resolvemos não polemizar mais sobre isso.”

Watson dedicou sua vida à causa ma-rinha. Em 1977, foi atacado por um barco de caça a focas no Canadá; não pensou duas vezes antes de se pendurar nas cordas do navio inimigo. Caiu na água congelante, teve hipotermia e quase virou comida de tubarão. “Não tenho a menor dúvida de que ele daria a própria vida para salvar uma foca ou uma baleia”, exalta Thiago Malachias, diretor da Sea Shepherd Brasil. “Ainda me emociono quando falo da trajetória dele. Tenho certeza de que nunca ninguém fez tanto pelo nosso planeta.” Thiago conta que o chefe é das pessoas mais quietas e reservadas que já conheceu. Um homem que guarda as energias para os momentos de decisão e liderança. No livro Piratas no fim do mundo, o jornalista Denis Russo, que conviveu com o guru verde durante uma campanha à Antártida, retrata: “Pensava que o Watson fosse um sujeito imponente, pose de líder, capitão, herói. Nada mais longe da realidade. Definitivamente passou do peso, seu cabelo branco cortado em forma de capacete estava sempre desgrenhado. Mas é também um ativista profissional, que vive de livros e palestras e por isso precisa da mídia. Tem defeitos, exageros, inseguranças, limitações. Grandioso e caipira, admirável e deselegante, Paul Watson é um herói, mas não 24 horas por dia. Parte do tempo, é só uma criançona meio mesquinha que gosta de filmes açucarados e videogames, repete piadas e conta mentiras”.

Enquanto não está derrubando um baleeiro – já afundou dez; cada um recebeu uma bandeira pintada no casco do navio da ONG como troféu –, Watson gosta de escutar folk, rock clássico e blues. Adora biografias e livros sobre história natural e ciência. Namora Mihirangi, uma música neozelandesa de origem maori, e tem uma filha de 27 anos, Lilliolani. Vegetariano, só fica em casa duas semanas por ano: o endereço é sigiloso, devido às inúmeras ameaças de morte que recebe todos os dias.
Os japoneses são os maiores inimigos. Para manter a tradição milenar em comer carne de baleia eles conseguiram uma brecha na lei que impede a caça ao animal: alegam que todos os navios que seguem à Antártida trabalham em pesquisa científica. São navios imensos, verdadeiras fábricas de enlatar baleias. E Paul trabalha sob a alegação de que faz valer a lei com as próprias mãos.

Sobre seus novos projetos, Paul Watson diz que prefere se concentrar na religião.
Está escrevendo um livro em que entrelaça ecologia e mitologia: nele, pretende esclarecer sua tese de que o cristianismo é uma religião pagã, demonstrando como “nos afastamos da natureza creditando somente aos humanos o que consideramos divino”. Já neste plano, no fim deste mês embarca de novo para o Antártida, em mais uma aventura contra os baleeiros japoneses.


Quando se deu conta de que o trabalho do Greenpeace não combinava com as suas crenças? Em 1977 eu liderava uma campanha para proteger bebês foca quando salvei um deles arrancando um martelo das mãos de um caçador [Watson torceu o braço do caçador]. O Greenpeace alegou que essa tinha sido uma atitude muito radical. Não acho que salvar uma vida seja uma atitude radical. Mas a verdadeira razão da minha saída é que o Greenpeace estava se tornando uma corporação mais preocupada em se autopromover do que em salvar o planeta. Hoje me sinto uma espécie de Dr. Frankenstein, que ajudou a criar algo monstruoso.

Você já afundou 10 baleeiros. Qual a bandeira que ainda falta ser pintada no seu navio? A de um baleeiro japonês.

A Comissão internacional de proteção às baleias efetivamente ajuda? Nós usamos as regulamentações da IWC como nosso mandato para intervenção contra caça ilegal de baleias. Nós fazemos valer o que eles só escrevem. Sem a Sea Shepherd, a IWC é manca.

Em 1987, a ONU permitiu que a caça às baleias tivesse apenas fins científicos ou aborígenes. Como se controla isso? Confrontando os caçadores e afundando seus navios.

Porque alguns países investem tanto na caça às baleias? O Japão é o pior inimigo das baleias. Em seguida vem a Noruega. Fazem isso por ganância e estupidez.

Já teve curiosidade de saber como é o gosto da carne de baleia? Jamais! Pra mim, isso soa como saber se eu já tive curiosidade de comer carne humana. É uma idéia repulsiva.

Em Ocean Warrior, você diz que durante a Guerra Fria uma baleia te ajudou a escapar dos russos. Como foi isso? Você acha que elas sentem que você as protege? Uma baleia surgiu entre meu navio e o dos russos bem na hora mais critica da perseguição; a surpresa nos deu tempo para escapar. Acredito muito que elas sintam o nosso trabalho, especialmente quando estamos em meio a um combate.

Que acha de ser rotulado como ecoterrorista? Chamem-me do que quiser. Se realmente fosse um ecoterrorista, estaria preso ou proibido de viajar. Nunca causei um ferimento sequer e nunca fui condenado por crime grave. Meus inimigos sim são ecoterroristas.

Que leva na mala quando vai ficar muito tempo no mar? Tem algum talismã? Além dos objetos pessoais, carrego um pequeno pedaço de madeira esculpido que recebemos do Dalai Lama. Ele chama isso de Hayagriva. Significa a compaixão de Buda pela indignação, como ele diz: “Você não deve querer machucar ninguém, mas ás vezes, quando esse alguém não consegue atingir a iluminação, você faz com que eles sintam medo até enxergar o que é preciso”.

Você é um ídolo para pessoas como Brigite Bardot, Pierce Brosnan e Martin Sheen. E você? Quais são ídolos? Meu herói é o capitão confederado James I. Waddell, que afundou diversos navios baleeiros durante a guerra civil norte-americana e salvou duas espécies de baleias da extinção sem nunca ter ferido um caçador.

E quanto às pessoas que dão nome aos seus navios? São homenagens. Além de escritor, Farley Mowat foi nosso presidente e é um naturalista canadense, grande amigo meu. Robert Hunter [nome de seu navio anterior] foi o co-fundador do Greenpeace, e morreu em 2005.

Já veio ao Brasil? Que acha do modo como lidamos com o meio ambiente? Estive no seu pais muitas vezes por causa da Sea Shepherd Brasil. A primeira foi em 1989 para ajudar os índios na batalha contra uma represa no Xingu. Também já fui com o Farley Mowat até Fernando de Noronha para defender o lugar de caçadores em 2002.

Qual sua posição em relação à pena de morte? Sou contra.

É religioso? Não faço parte de nenhuma religião, mas amo o mundo natural. Sou um ecologista.

Porque o Greenpeace se recusa a falar sobre você? Porque nós os envergonhamos. Somos o que eles um dia já foram, então os fazemos lembrar que eles falharam em seus principais objetivos.

Que acha de todo esse alarde em relação ao aquecimento global? Acho que é uma moda passageira. Nada de muito eficiente está sendo feito. Essa história de crédito de carbono é apenas mais uma jogada para ganhar dinheiro através do problema. Em primeiro lugar, temos que proteger a diversidade do meio ambiente. Depois devemos frear o crescimento populacional optando voluntariamente por ter menos filhos. É importante que o consumo seja reduzido. Muitas organizações ao redor do mundo vão lucrar usando o apelo de “ajude a salvar o planeta”...

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