sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Q c vai fazer com esse ovo, meu filho?

Inovação. Conceito estranho, andrógino, sofisticado até não poder mais, e pop. Hoje é moda inovar, os pop managers vão por aí falando o que a galera sempre fez: "se eu não criar algo novo os vampiros vão vir copiar e a graça acaba". Pois bem, a inovação era interna, em grandes departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento, com tecnologias muitas vezes criadas e sem uso naquele modelo de negócio. É aí que surge um conceito bacana, com a maturação média das leis de propriedade intelectual, informação bombando e globalização rolando; Henry Chesbrough -é, o cara é brow- estuda a produção da inovação em redes abertas interempresariais, o que chama de Open Innovation. É tema de estudo sério nas pós-graduações em engenharia industrial. Henrique vem ao Brasil de vez em quando, e a Época chamou ele pra uma conversa. Taí embaixo.



Íntegra da entrevista com Henry Chesbrough publicada pela Época Negócios.
Por Rafael Barifouse

Época NEGÓCIOS - O senhor poderia explicar o que é inovação aberta?

Henry Chesbrough - O modelo anterior, de inovação fechada, era de auto-suficiência. Fazia-se tudo por conta própria e não se contava a ninguém. Hoje, o conhecimento está em todo lugar e as companhias têm de usar melhor idéias de fora. Não é necessário nem esperto fazer tudo sozinho. A pesquisa está encarecendo, o ciclo de produtos está encurtando, e é preciso trabalhar mais duro para recuperar o investimento. Ser mais aberto permite não só poupar dinheiro, mas também tempo e compartilhar riscos. Mas a abertura não é só na entrada, também deve ser na saída de idéias da empresa. As companhias devem deixar outros usarem suas idéias para levá-las ao mercado em outros negócios. Isso é o que faz o sistema funcionar.

EN- Mas há o receio de compartilhar demais, que leva companhias a manter parte de suas pesquisas para si, não?

Henry Chesbrough - A IBM é um exemplo: doa patentes de software, mas também licencia muitas outras e ganha bilhões com isso por ano. A Intel trabalha com universidades na pesquisa de semicondutores, mas a tecnologia dos chips pertence basicamente a ela. A empresa se abre para parceiros, que ajudam a criar valor para os seus produtos, mas para transformar esse valor em algo rentável, é preciso ser mais proprietário. Senão a empresa não faz dinheiro e não se sustenta a longo prazo.

EN- Como decidir o que deve ser compartilhado?

Henry Chesbrough - Esta é a arte da inovação aberta. A P&G compartilha a maioria de suas tecnologias, mas o faz três anos depois de seus produtos chegarem ao mercado. Com isso, está sempre à frente e faz com que outros a sigam. No Google, você pode usar muitos serviços sem gastar nada, mas a forma exata como a empresa os constrói, a tecnologia por trás, ela guarda para si. A regra é: você quer ser aberto ao criar valor e fechado quando quer capturar uma parte dele para si. Uma companhia nova deve ser aberta para que as pessoas a encontrem, usem e a considerem valiosa. Quando se estabelecer, pode pensar em quais pontos pode ser mais fechada.

EN- Então o modelo de inovação fechado não está morto como dizem?

Henry Chesbrough - O modelo fechado sobrevive dentro de um modelo mais aberto. No modelo aberto, é muito mais valioso ser um integrador do sistema de inovação, como faz a IBM hoje em dia ao oferecer produtos e serviços criados por terceiros. É preciso pensar como as peças se encaixam. Mas isso requer P&D interno para descobrir como fazer.

EN- Na inovação aberta, parceiros ajudam a criar produtos e as estratégias em torno deles, mas uma empresa é a responsável pelo lançamento e pelas receitas. Como esse parceiros devem ser recompensados pela sua ajuda?

Henry Chesbrough - Pessoas de tecnologia tendem a pensar que merecem a maior parte do quinhão, porque se consideram mais inteligentes e por terem a propriedade intelectual. Obviamente, os custos devem ser pagos e o lucro repartido. A tecnologia ainda é muito importante, mas é preciso ir além dela e analisar o mercado para entender de onde vem o valor de seu produto e qual parte cabe a quem. Acredito que quem conquista clientes e os faz feliz, que é de onde vem o maior valor, deve levar a maior parte.

EN- No seu livro, o senhor cita casos da área de tecnologia como Intel e IBM. A inovação aberta é restrita às empresas high-tech?

Henry Chesbrough - Não. Leon, no México, é uma cidade dedicada a fazer sapatos, que não são produtos de alta tecnologia. Desenvolvi com eles um projeto para descobrir como vender para os hispânicos americanos, que serão 75 milhões em 2010. Eles estão preocupados com a chegada dos produtos chineses, que são muito mais baratos. Uma saída é subir de patamar e criar uma imagem mais nobre para os sapatos deles, encontrar mercados pouco explorados. As empresas de lá não conseguirão fazer isso sozinhas. Elas vão precisar de uma série de parcerias para fazer isso e com a rapidez necessária.

EN- O senhor publicou seu primeiro livro em 2003. Como o conceito de inovação aberta evoluiu desde então?

Henry Chesbrough - No primeiro livro, eu foquei em P&D e na comunidade de tecnologia, mas comecei a falar com outras empresas depois e vi que muitas enfrentavam dificuldades com o lado de negócios. No meu segundo livro, falo sobre como se abrir também nessa área de estratégia e marketing para solucionar problemas. Significa pensar o que define um modelo de negócio, como avançar e quem já fez isso. Se você pensa inovação em pesquisa, você só vai até um certo ponto. Ao incluir mais áreas, você pode inovar em modelos de negócios e isso pode ser muito valioso.

EN- O que é um modelo de negócios aberto?

Henry Chesbrough - É usar várias fontes para pensar a criação e captura de valor em seus produtos. Por que uma empresa deve fazer pesquisa de marketing só sobre si? Por que não fazer para as outras também? Muitas companhias não compartilham pesquisas, mas só assim se você realmente vai entender o mercado. Um outro exemplo é a Samsa, a engarrafadora da Coca-Cola no México. Ela presta esse serviço para outras empresas e ganha experiência com isso. Ao se abrir, uma empresa transforma um centro de custo em um centro de lucro ao cobrar de parceiros por serviços que você teria de fazer também para si.

EN- Porque o senhor considera mais difícil inovar em um modelo de negócios do que em tecnologia?

Henry Chesbrough - Temos boas experiências de décadas para inovar em produtos e tecnologia, mas ainda não criamos bons processos para fazer isso em modelos de negócios. Ambos os casos são difíceis. Mas há uma área inteira de engenharia só para pensar novos produtos. No modelo de negócios, é preciso relacionar a tecnologia com operações e estratégia, que são pensadas em lugares diferentes por pessoas diferentes. Você tem de reunir tudo, o que é mais complicado.

EN- O modelo de inovação aberta surgiu a partir do modelo anterior fechado. Sem tradição em pesquisa por empresas e com muito desse trabalho feito em universidades, o Brasil não teve esse modelo fechado. Podemos criar um modelo de inovação aberta a partir do nada?

Henry Chesbrough - Sim. México e Espanha também não têm tradição em pesquisa e consideram a inovação aberta útil para criar um nova mentalidade colaborativa. Essas regiões querem crescer, mas não podem fazer grandes investimentos. A cooperação de pessoas em áreas de interesse comuns para avançar mais rápido. Você precisa de parques e universidades, porque esses lugares têm pessoas que sabem como o sistema funciona e como ele vai se comportar no futuro. Você precisa investir em pesquisa de longo prazo e na experimentação de modelos de negócios. Você precisa de capital para sustentar tudo isso. Com as peças no lugar, vira uma questão de capital humano, talento e conhecimento, e o Brasil tem muito disso.

EN- Como criador do conceito de inovação aberta, no que o senhor está trabalhando agora?

Henry Chesbrough - Em três questões: ir mais a fundo no gerenciamento da propriedade intelectual e fazê-la de forma mais aberta e colaborativa, pensar inovação em serviços por meio dessa abordagem aberta e buscar uma visão mais global do fenômeno. Nos últimos meses, viajei para vários paises e quero criar centros pelo mundo, como fiz na Holanda e na Bélgica. Vamos fazer um no Brasil e há outro a caminho na Suíça e no Japão. Não posso levar esse conceito à frente globalmente sozinho. Numa mentalidade de inovação aberta, busco pessoas inteligentes para conectá-las e promover trocas de experiências e informação.

EN- Quais são os principais desafios da inovação aberta?

Henry Chesbrough - O principal é a mentalidade. Organizações grandes e bem sucedidas têm orgulho de suas próprias realizações, superestimam suas habilidades e subestimam as de outros. Se elas não pensaram em algo, é porque não é bom. Se fosse, já teriam criado. É algo difícil de superar. No lado de negócios, há um equivalente: pensar que uma tecnologia deve ser usada primeiro por quem a inventou e, caso não o faça, ninguém mais pode usá-la. Isso não faz sentido. Se você não vai usar algo, deixe que alguém use. A propriedade intelectual historicamente é gerenciada pelas companhias de uma forma defensiva. Temos de pensá-la de forma mais aberta. Você pode licenciar algo para ganhar um dinheiro adicional ou compartilhar para criar padrão técnico na sua área. Há também o desafio de empresas trabalharem com universidades. Nesse modelo, os dois lados precisam mudar.

EN- E como mudar essa mentalidade?

Henry Chesbrough - Pelas companhias que estudei, só um choque é capaz de fazer as pessoas perceberem que é preciso mudar a forma se inova. Empresas que vão bem não farão isso. Quando ocorre esse choque, a liderança da empresa precisa transformar a crise em oportunidade. Nos casos mais bem sucedidos, havia líderes dizendo que não era possível mais fazer negócios daquela forma. A mudança precisa vir do topo.

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