domingo, 3 de maio de 2009

Uma Hipocrisia Revelada

A Crise Segundo a Escola Austríaca

Rodrigo Constantino

“Toda a manipulação monetária do mundo não pode desafiar os limites
impostos sem misericórdia pela realidade.” (Thomas Woods Jr.)

Diante da grande crise que assola o mundo no momento, todos preferem culpar
o capitalismo e o livre mercado, em vez de mergulhar realmente a fundo nas
raízes do problema. À contramão desta tendência majoritária, Thomas Woods
Jr., do Mises Institute, escreveu um excelente livro onde demonstra que o
governo tem suas digitais em todas as cenas do crime. Em Meltdown, Woods
resume a teoria austríaca de ciclos econômicos, e explica porque o colapso
dos mercados foi causado pelo governo, não pelo livre mercado. Ele mostra
ainda que as reações do governo não só erram o alvo e deixam de resolver os
problemas, como acabam agravando a situação.

As mesmas pessoas que ajudaram a criar a bagunça atual estão posando hoje
como especialistas capazes de mostrar os caminhos da salvação. Os membros
do governo, incluindo os economistas do Federal Reserve, apontam o dedo
para os abusos da iniciativa privada como se não fossem os principais
causadores desses abusos. Culpar a “ganância” dos investidores é como
culpar a gravidade pela queda de um avião. Ignora-se que a tal “ganância”
sempre esteve presente e que, portanto, a explicação para a bolha deve
estar em outro lugar. Este lugar é o próprio governo, principalmente seu
braço “independente”, o banco central com monopólio na emissão de moeda.

Tom Woods aponta as várias formas de intervenção estatal na economia, que
sem dúvida ajudaram a ampliar os problemas. Como exemplo, ele cita a Fannie
Mae e Freddie Mac, as semi-estatais financiadoras de hipotecas, que
contavam com inúmeros privilégios do governo, assim como uma forte pressão
para que estendessem o crédito para as classes mais baixas. Os governos,
tanto Democrata como Republicano, sempre incentivaram de forma populista a
“casa própria”, ignorando que nem todos estão em condições econômicas de
arcar com uma hipoteca. Diversas medidas estatais buscaram estimular as
hipotecas mais arriscadas, no epicentro da crise. Mas Woods lembra que
todas essas intervenções governamentais – que não foram poucas – não chegam
perto do poder de estrago que tem o Fed. O principal alvo do ataque de
Woods é o banco central americano.

O Federal Reserve System foi criado por um ato do Congresso em 1913, seu
presidente é escolhido pelo governo, e conta com privilégios de monopólio
sobre a moeda. Em suma, o Fed está calcado em princípios diametralmente
opostos àqueles do livre mercado. Ele é um agente de planejamento central
econômico, só que em vez de planejar a produção de bens, como fazia a
Gosplan comunista, ele planeja a taxa de juros, com conseqüências que
reverberam por toda a economia. Segundo Woods, esta manipulação das taxas
de juros, mantidas artificialmente baixas por tempo demais, foi justamente
a mais importante causa da crise atual. “O Fed é o elefante na sala que
todos fingem não notar”, ele diz.

Após a crise da Internet, já ela uma bolha instigada pelo Fed, e o ataque
de 11 de Setembro, Alan Greenspan, o então presidente do Fed, decidiu usar
suas ferramentas para estimular a economia e evitar os necessários ajustes.
A taxa de juros determinada pelo Fed foi reduzida para 1% ao ano, e assim
permaneceu por um ano inteiro. A oferta de dinheiro foi aumentada
drasticamente durante estes anos, e mais dólares foram criados entre 2000 e
2007 do que em todo resto da história da república americana. O dinheiro
barato atrai muitas pessoas para a especulação financeira, incluindo leigos
que não entendem do assunto. O sonho de ficar rico rapidamente conquista
muita gente. Em uma atmosfera de preços em alta e prosperidade geral, com
taxas de juros artificialmente baixas, fica complicado separar o joio do
trigo, saber quais projetos são sustentáveis e quais não passam de filhotes
da bolha.

Após o estouro da bolha do Nasdaq, as atenções se voltaram para o setor de
casas. Alguns tentam explicar os ciclos com base em “manias”, mas estas
podem apenas escolher o ativo da moda, e não oferecer os recursos
artificiais que bancam a festa, i.e., o crédito criado pelos bancos com o
estímulo do Fed. A nova mania foi então especular com casas. Muitos
começaram a acreditar que havia uma única direção para seus preços, e que o
ganho era líquido e certo. Eles usavam suas casas como caixas automáticos
para obter crédito e gastar. Eles compravam casas sem colocar um centavo de
capital próprio, contando apenas com a elevação contínua dos preços. Eles
contavam com o incentivo do governo, tanto em medidas diretas como no
grande estímulo monetário do Fed.

O que Tom Woods questiona é porque ainda levam tão a sério as previsões dos
mais poderosos governantes, se eles foram totalmente incapazes de antecipar
a crise que ajudaram a criar. Ben Bernanke, o atual presidente do Fed,
disse em maio de 2007 que não esperava significante contágio do mercado de
hipoteca subprime para o resto da economia ou o sistema financeiro. É para
este homem que vamos entregar o poder absoluto de controlar a emissão de
moedas? O então Secretário do Tesouro, Henry Paulson, falou em março de
2007 que a economia global estava mais forte que nunca, e que as
instituições financeiras eram sólidas. Um ano depois, em março de 2008, ele
acrescentou que os bancos estavam muito bem, e que permaneceriam sólidos
por muitos e muitos anos. Devemos confiar nesses profetas?

Infelizmente, no setor público os erros costumam ser recompensados com mais
poder e verbas, ao contrário do que ocorre no livre mercado. De fato, após
previsões tão absurdas e medidas que agravaram a crise, Paulon e Bernanke
demandaram mais recursos e poderes, sendo prontamente atendidos. Pacotes de
trilhões de dólares foram aprovados às pressas, enquanto os principais
governantes davam demonstrações claras de que não tinham a menor idéia do
que fazer de fato para resolver os problemas. O Secretário Paulson mudou
publicamente de idéia algumas vezes, e demonstrou enorme arbitrariedade em
suas decisões, aumentando as incertezas do mercado num delicado momento de
crise. A confiança depende de certa estabilidade e previsibilidade,
justamente o que o governo não mostrou.

Se antes os bancos eram acusados de emprestar muito agressivamente, agora
eram acusados de muito conservadorismo. Se os americanos eram acusados de
consumismo irresponsável, agora demandavam mais gastos deles. E o próprio
governo, que tanto pregou a luta por casas mais acessíveis, estava agora
fazendo de tudo para evitar a queda nos preços das casas. Para onde foi a
meta de casas acessíveis? Woods questiona se algum traço de pensamento
racional ainda pode ser encontrado em meio a tanta insanidade.

Em uma economia dinâmica de livre mercado, com um futuro sempre incerto,
empresários irão errar em suas apostas com freqüência. Mas quando todos
erram ao mesmo tempo, alguma outra explicação deve existir. Eis onde entra
a teoria austríaca de ciclos econômicos, exposta principalmente por Mises e
Hayek, que aponta para a interferência do banco central nas taxas de juros
como principal explicação para os ciclos de expansão acelerada e queda
abrupta na economia. A taxa de juros “natural”, ou de equilíbrio, coordena
a produção no decorrer do tempo, dependendo da poupança real existente e da
demanda por novos investimentos. Se o Fed manipula esta taxa, ele acaba
gerando uma ruptura na coordenação econômica em grande escala.
Investimentos que seriam normalmente desvantajosos acabam parecendo
rentáveis. Os agentes econômicos são levados a crer que agora é um bom
momento para se investir no longo prazo.

Muitos recursos são drenados para investimentos ruins, principalmente em
produtos intermediários, como bens de capital. Estes recursos não são
provenientes de uma poupança efetiva, mas sim do crédito criado por bancos
que atuam sob o regime de reservas fracionárias, podendo multiplicar o
crédito em relação aos depósitos que recebem. Com o passar do tempo, as
empresas vão descobrir que faltam recursos para terminar seus projetos,
pois os fatores complementares de produção encontram-se escassos. As
empresas precisam tomar mais dinheiro emprestado para finalizar seus
investimentos. Alguma hora, o castelo de cartas irá ruir.

Mises faz uma analogia entre uma economia sob a influência de taxas de
juros artificialmente baixas e um construtor que erroneamente acredita que
tem mais recursos, como tijolos, do que realmente tem. Ele irá construir
uma casa com proporções diferentes do que se soubesse a verdadeira oferta
disponível de tijolos. Em algum momento, ele irá descobrir que faltam
tijolos para ele completar sua casa. Quanto mais rápido ele descobrir isso,
melhor, pois ele poderá fazer os ajustes necessários com menor dano. Se ele
descobrir muito tempo depois, ele poderá ser forçado a destruir quase toda
a casa, ou simplesmente abandoná-la inacabada. O resultado de uma política
frouxa de juros, que joga a taxa abaixo de seu patamar “natural”, acaba
sendo similar para a economia como um todo. Uma série de “malinvestiments”
irá desviar recursos escassos para destinos indesejáveis. A farsa não pode
durar para sempre, e logo ficará claro que o rei está nu.

Como disse Hayek, combater essa depressão inevitável com mais expansão
forçada de crédito é tentar curar o mal pelos mesmos meios que o criaram.
No entanto, esta é justamente a receita keynesiana, tão em moda apesar de
seus fracassos no passado. A recessão é a fase necessária de ajuste, onde a
realidade precisa ser enfrentada. A estrutura de produção precisa ser
refeita com base nos dados reais e sustentáveis, ofuscados pela euforia
artificialmente criada pelo Fed. É como um bêbado que precisa enfrentar a
ressaca para ficar sóbrio. Os keynesianos querem oferecer mais e mais
bebida, para “curar” o porre mantendo o indivíduo bêbado. Claro que esta
política é insustentável. Ela não apenas posterga o ajuste necessário, como
agrava a situação.

As soluções “mágicas” apresentadas pelos keynesianos passam sempre por dar
mais veneno para a vítima. Embriagados com estatísticas de dados agregados,
esses economistas parecem ter perdido qualquer contato com o bom senso.
Eles acham que o governo pode gastar do nada para sair da crise, mantendo a
produção nominal do país. Eles parecem confundir papel moeda com riqueza.
Tirar da economia como um todo para gastar em setores específicos, eis a
fórmula mágica para criar riqueza! Robert Higgs comparou este plano com
aquele onde alguém tira água da parte mais funda da piscina e coloca na
parte rasa, esperando que o nível geral da água vá subir. Essa foi a reação
tanto na Grande Depressão, cujo New Deal postergou a recuperação, como na
crise do Japão, que ficou estagnado por duas décadas. Impedir os ajustes
necessários e injetar mais recursos na economia não resolve nada, muito
pelo contrário. É o que explica a teoria austríaca, e o que a história
ilustra.

Mas muitos mitos acabam prevalecendo, e a verdade permanece ignorada pelo
público. A versão “oficial” da história repete que a Grande Depressão foi
causada pelo livre mercado e que o New Deal salvou o capitalismo de si
próprio. O Prêmio Nobel Paul Krugman, um dos maiores defensores do
intervencionismo como solução para a crise, chegou a afirmar que a Segunda
Guerra Mundial salvou a economia americana, oferecendo o estímulo fiscal
necessário para as necessidades econômicas. Esta falácia absurda continua
sendo disseminada entre os leigos, como se guerra realmente pudesse criar
prosperidade. Se gastos militares criassem riqueza de fato, então os
Estados Unidos e o Japão poderiam ambos construir uma enorme e poderosa
frota naval, encontrar-se no Pacífico, e afundar cada um os navios do
outro. Então poderiam celebrar como estavam mais ricos desviando recursos
escassos, como trabalho e aço, tudo isso para terminar no fundo do oceano.
Como afirma Woods de forma ácida, qualquer um que acredita em um absurdo
desses, de que guerra traz prosperidade, pertence a um sanatório, ou então
ao editorial do New York Times. Foi Mises quem acertou novamente, ao
afirmar que a prosperidade da guerra é como a prosperidade que um terremoto
ou uma praga trazem.

De forma geral, para uma sociedade consumir, ela antes deve produzir. É
justamente essa realidade inexorável que incomoda tantos políticos e
economistas. Eles gostariam de burlar esta lei natural, e para tanto contam
com os incríveis poderes do Fed. Mas, como diz a frase da epígrafe, nenhuma
manipulação pode desafiar a realidade por muito tempo. A bolha artificial
precisa estourar cedo ou tarde. Melhor que seja cedo, pois causa menos
estrago. E quando o governo tenta solucionar os problemas mirando em seus
resultados, em vez de focar nas causas, ele apenas joga mais lenha na
fogueira. Em vez disso, como sugere Woods, o governo deveria permitir os
ajustes necessários. Ele deveria deixar as empresas quebrarem, para que o
capital possa o mais rápido possível ser realocado para setores e empresas
mais eficientes. Recompensar prejuízos com pacotes de resgate apenas
incentiva mais erros, criando um enorme moral hazard. Além disso, o governo
deveria reduzir drasticamente seus gastos, em vez de aumentá-los. Desta
forma, os recursos retornariam para as atividades criadoras de riqueza no
setor privado. Por fim, o Fed deveria ser abolido. Muitos condenam o livre
mercado pela crise, mas Woods pergunta: o que há de livre mercado na
manipulação pelo governo do item mais importante na economia? Capital,
afinal de contas, costuma ser um ingrediente bastante relevante no
capitalismo.

Quem defende o livre mercado não pode defender o monopólio do governo
justamente na emissão de moeda e controle da taxa de juros. Se dinheiro é o
sangue da economia, que leva recursos para os destinos mais produtivos,
como defender o planejamento central na questão monetária? Tom Woods
conclui que os defensores do livre mercado não têm mais escolha: eles
precisam considerar a Escola Austríaca, que oferece a única posição
intelectualmente coerente de livre mercado diante da presente crise.



Entrevista: http://www.youtube.com/watch?v=qSNRvqglW7Q

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